Críticas Adagio Sostenuto



Revista Cineweb
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“Adagio Sostenuto”,
Por Alysson Oliveira
28/05/2009

Nada no drama Adagio Sostenuto é por acaso. Numa cena, um pôster de O Elogio ao Amor, de Jean-Luc Godard, aparece afixado numa parede. Nesse momento, a personagem principal, Anna (Dedina Bernardelli, premiada no Festival de Sergipe por esse trabalho), uma diretora de cinema, cogita alterar o final do filme no qual trabalha. Ela acabou de passar por uma grande tragédia e vê o mundo com outros olhos, de uma forma diferente daquela quando concebeu originalmente seu projeto.

A referência a Godard não é única, nem casual. O filme de Pompeu Aguiar relaciona-se abertamente com a obra do cineasta francês, em sua montagem, no uso da música, pinturas e citações literárias, entre outras coisas. Adagio Sostenuto é, em sua essência, um filme que abre um amplo diálogo com as mais variadas manifestações artísticas – não apenas na música como indica o título.

Dividido em três atos, tal como uma sinfonia, o longa acompanha o processo de transformação de Anna. Ela é a única personagem que aparece na tela. Os outros dois, o marido e uma amiga e produtora (Alexandre Borges e Priscila Rozenbaum) estão sempre fora do enquadramento. Por isso apenas ouvimos suas vozes.

Aqueles que reclamam do domínio da estética televisiva no cinema brasileiro encontram em Adagio Sostenuto um bem-vindo antídoto à pasteurização formal e narrativa que ameaça o cinema nacional. Nada aqui é gratuito, tudo profundamente meditado. As referências musicais incluem clássicos como Liszt, Beethoven e pop como Procol Harum e Leonard Cohen, até chegar à pintura (Velásquez e Vermeer), passando pela literatura.

A protagonista Anna, enquanto diretora de cinema, professa que ‘imagem e som são como corpo e alma’. O diretor Aguiar também crê nisso, compondo um filme que combina os dois elementos, lembrando que cinema pode ser muito mais do que contar uma história.

Embora existam citações de autores como Emily Brönte e F. Scott Fitzgerald, o que guia é o polonês radicado na Inglaterra Joseph Conrad e seu conto Tufão (1903). Outra forte influência na narrativa, esta menos explícita, é o escritor norte-americano William Faulkner, autor de livros como O Som e a Fúria e Luz em Agosto. Aqui, a ação também segue o fluxo da consciência da protagonista, sem se preocupar com uma ordem cronológica ou encadeamento de fatos – instigando assim o público a montar a sua própria sequência.

Anna, a protagonista, precisa passar por seu processo de luto. Aprisionada numa dor dilacerante, ela tem de se despedir de sua história de amor. As imagens traduzem em cores (na bela fotografia de Antonio Luiz Mendes) esse processo de incertezas, descobertas e medos. Anna precisa aprender a viver sem seu marido e isso a influencia em seu trabalho.

Imagens se repetem na tela, como ondas que vêm e vão ou fogos de artifício explodindo no céu do Rio de Janeiro. São símbolos e metáforas sobre o estado emocional da personagem, presa à sua dor e buscando uma forma de transformar isso em arte. É o que Aguiar, que assina o roteiro com Paulo Coriolano, parece querer dizer: temos o poder de transformar nossas vidas, precisamos de um tempo de luto, de recuperar as forças para seguir em frente. Cada um a seu tempo, à sua maneira.


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